sábado, 13 de dezembro de 2014

angústia e mais angústia

Angústia, terrível angústia esta, que devora o que apanha pela frente.
Muitas vezes elogiei esta morte lenta que nos permite fazer e desfazer, planear, escrever, transmitir, arrumar a papelada... Mas hoje, mesmo com os meus escritos incompletos e a arrumação por fazer, dou por mim a invejar a rapidez da outra, da que bate à porta e leva, sem angústia, o mais incauto dos felizes nesta vida.
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domingo, 23 de novembro de 2014

Pra esquecer

Mudei de ideias: quando um dia eu morrer, quero que me esqueçam. Quero que as pessoas que amo voltem a respirar  alegria e a saúde, que deitem o cancro pela janela. Que me deitem pela janela a mim também, eu o meu nojento e abjecto cancro.
Quero voltar a ser a menina da avó Elisa, a que dormia debaixo do balcão da loja; a jovem que jogou basquete, onde fez amizades que ainda duram; a colega do Maciel que tinha um cabelo bonito e brilhante; a namorada do Júnior; a mãe da Joaninha... Boas recordações, sem doenças, sem médicos e hospitais, sem perucas e dores, sem o fim que ainda está para vir e que não deve ser bonito de se ver.

Por favor, esqueçam-me, esqueçam a Teresa doente, a que fez chorar uma criança de 5 anos ao aparecer em casa careca, a que teve de dizer à menina de 8 anos que tinha tirado uma mama, a que disse à mesma jovem de 11 anos que estava pior e que já havia pouca esperança para a vida das duas juntas. A que não tem feito mais do que arrastar a filha, a família e os amigos para um mundo medonho onde as pessoas sofrem e morrem, onde eles, sem estarem doentes, são também testemunhas e vítimas.

A vida continua. A vossa vida continua!!

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segunda-feira, 10 de novembro de 2014

Lições perdidas

Esqueci-me do que é uma vida normal. Não me lembro de como seja acordar sem a espada sobre a cabeça, com um salto, como se ela fosse, finalmente, trespassar-me. Todos os dias. O medo ocupa todos os lugares e não se deixa esquecer por um só minuto.

Gostava de me lembrar de como é uma vida normal, uma vida sem cancro. Do que recordo, não era tão boa quanto deveria ter sido. Que desperdício. Afinal, uma vida sem cancro é uma vida perfeita. É a que todos têm: vidas perfeitas. Todas menos a minha, e a de outras pessoas que ouviram a mesma sentença.

Só tenho pena, e muita, que as pessoas não saibam disso e que os exemplos de uns não sirvam para outros. Valeria a pena todo este sofrimento se, pelo menos, os que me rodeiam se deixassem de falsos problemas, aborrecimentos e chatices verdadeiramente desnecessários ou, no máximo, solúveis. Um problema com solução é um problema maravilhoso! 

Esta mensagem seria, entre tudo, a melhor das heranças que gostaria de deixar aos meus amigos, à minha família. Bastava um de vós mudar "de agulha" para não ter sido em vão...

E por incrível que pareça, o mais certo é isso nunca acontecer... As lições dos outros não são nossas. Não posso dizer que o cancro não me mudou. Possivelmente para melhor, sim. Porque é como as coisas funcionam: só valorizamos o que perdemos.

E eu perdi tudo, tanto que já nem lembro exactamente o quê...

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sexta-feira, 7 de novembro de 2014

terça-feira, 4 de novembro de 2014

Pedinchar

Anda a vida tão difícil que, por vezes, chego a duvidar da minha vontade de lutar. O que eu queria mesmo era pedir. Pedinchar se caso fosse. O que era bom era isso, que alguém fizesse alguma coisa para me salvar.

Se pudessem votar em mim para não ser expulsa - como num reality show - dir-vos-ia que quero ficar, que ainda tenho muito para dar e que os portugueses não se irão arrepender de me salvar. Pelo menos os portugueses da minha família, os portugueses meus amigos, os portugueses do meu prédio e mais alguns outros espalhados por aí que calha simpatizarem comigo.

Alguém pode fazer alguma coisa ou tenho mesmo de continuar à mercê de aziagos ventos e marés?

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segunda-feira, 8 de setembro de 2014

à espera que chova

Aguardam-se notícias.  Que sejam brandas, pois começa a ser cada vez mais difícil encaixar as más...

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sexta-feira, 5 de setembro de 2014

O cheiro que não cheira

Tenho um penso no peito e cheiro a hospital. Mais do que a hospital, cheiro a hospital de dia (quem não saiba o que é, sinta-se feliz e não queira saber).
As enfermeiras e o pessoal daquele serviço dizem que não há cheiro nenhum especial. O Júnior também diz que não. Digam-me isso a mim, que tresando a sala de quimioterapia. Digam isso a quem a simples ideia do espaço traz o cheiro de volta, não só à memória mas mesmo ao nariz.

Pois, voltei lá. Entrei como se fosse a primeira vez, de passo incerto e mente entorpecida. Saí de lá como da primeira vez, sem saber o que pensar ou sentir. Pelo meio de tanta ansiedade e sofrimento, há aquela réstia de esperança. Não é muita mas esta só há-de morrer comigo.
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quarta-feira, 27 de agosto de 2014

Seis anos de tudo e de nada

Amanhã, quando acordar, fará 6 anos que estou viva. Não é bem viva, viva, é mais ou menos viva, e até já um bocadinho morta. Uma parte de mim ficou-se por ali, naquele dia de agosto de 2008. Não tive mais um dia de felicidade pura e dura; não houve outro sem cancro, fosse por que razão fosse, nunca mais se fez esquecido, nunca mais saiu de mim.
Mesmo no quase ano e meio em que me deixou em paz, a paz nunca foi mesmo paz, a alegria nunca foi mesmo alegria, as noites nunca mais foram merecidos momentos de repouso pois nunca mais existiu verdadeiro repouso.  Foram seis anos de inquietude e sobressalto, de desilusões sucessivas e muito medo.

Também foram seis anos de amizades, de amor e de descoberta do verdadeiro valor da vida. Com sabor a tarde demais.
Pudesse eu, e num minuto, perdia a Lina e a Natália, a Madalena e a Teresa, a Estela e a Suzel, a Sandra e a Sónia, a Mari, a Ana ou a Carmo, entre algumas outras. Passava por elas na rua e não as conheceria, a vida não nos cruzaria. Uma perda terrível que só seria compensada pelas maiores das dádivas: poder reconhecer a felicidade de criar a minha filha (foi tão bom enquanto durou), sabê-la feliz e tranquila, sentir a paz e conseguir descansar de noite... Estou certa de que elas também prescindiriam de mim.

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terça-feira, 26 de agosto de 2014

Não chega, já?

Hoje recebi mais uma paulada. A doença cavalga, progrediu brutalmente no fígado e recomeço quimio asap.

Ontem morreu um amigo de juventude, de quem gostava muito... Não foi de cancro; é mais um que, sem nada que o fizesse prever, me ultrapassa pela direita e parte à minha frente.

Há mais alguma má notícia com que eu tenha de aguentar?

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quinta-feira, 21 de agosto de 2014

Pedido especial


Hoje voltei a tentar pedir. Quem precisa, pede. Não sei se me faço ouvir, peço tão baixinho... Tenho falado tanto para as paredes...
Mas o meu coração fala mais alto, fala a um Deus que não conheço e que a minha cabeça não reconhece na lógica da vida; ou, melhor, na falta dela, que é com o que a vida mais nos surpreende.
Acho que o meu coração não fala para as paredes. Ele é sincero, penso que bom e não pede só por mim, mas roga também pelos meus e por todas as pessoas que comigo atravessam este caminho de picos; por todos, porque todos precisamos de ajuda, porque todos precisamos do mesmo: saúde, paz e amor. Três palavras, um só significado. Que o ouçam, ao meu coração, é tudo o que peço. Em alto e bom som.
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terça-feira, 19 de agosto de 2014

O (pequeno) poder da mente

Mata-me a angústia, com os seus ataques repetidos de ansiedade.
Prognósticos negativos são verdadeiros ladrões de energia. Não os promovo, eles apenas existem e não vejo como ignorá-los. Nem estou certa de que deva negá-los. Será mesmo minha obrigação vivê-los... faz parte da coisa...

Tento promover o optimismo na minha vida diária. Não é fácil, mas juro que tento. Portanto, agora vou fingir que estou optimista e que, para a semana, vou ser bombardeada com boas notícias.

Se a minha mente acreditar, talvez resulte. O poder da mente é, como se sabe e está (ai está?) provado, enorme. A psicologia barata também.

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domingo, 17 de agosto de 2014

Estão a chegar, estão sempre a chegar

Mesmo com todo o desprezo que estou (racionalmente) a dar ao facto de, a partir de amanhã e até ao final do mês, ter análises, exames e consultas com resultados e consequências decisivas para o meu bem-estar e, quem sabe, mesmo para a minha vida, os nervos enraizaram-se e sugam-me tudo até ao tutano.

Filha da mãe da emoção, filho da mãe do medo, fdp do cancro.

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quinta-feira, 14 de agosto de 2014

Desanda, Agosto

Este mês de Agosto é fdp. Não fosse haver uma data muito importante para mim já lá no finalzinho e apagava-o do meu calendário, tal é a raiva que lhe tenho.

Rima com desgosto e já o tem dado a muita gente de quem gosto. Sofreu-lhe na pele a Adelaide, a Edite, a Natália e eu também, já por duas vezes.
Para mim, o cancro chegou neste mês e a notícia do seu regresso coincidiu com o momento em que partia a Adelaide. A Edite ficou sem um filho e a Natália perdeu a mãe.

E depois há os outros, ultimamente tem sido um disparate pegado...

Vá lá, Agosto, desanda. Se possível sem mais estragos.
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quarta-feira, 13 de agosto de 2014

Estou bem!

Sem fé que me ajude, resta-me a parvoíce. Tem sido preciosa, esta minha capacidade de aparvalhar apenas dois ou três dias depois das maiores pancadas. Quando, e se, um dia a perder, não aguentarei tanta dor escondida, tanto sofrimento encapotado.

Vivo na verdade da mentira. Já não faço por enganar ninguém, agora já só me engano a mim própria. E assim, com verdade, todos os outros.

Sim, estou bem. Claro que estou bem.

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terça-feira, 12 de agosto de 2014

Más escolhas de quem as pode fazer

Um suicídio deixa um doente terminal a pensar mal.

Bolas, que desperdício. Podia-me ter dado a vida a mim, trocávamos... Eu aqui nesta luta e outros assim, a desbaratarem o caro. Começa por doer. Chega a ofender. Mas, por fim, sobram a compaixão, a admiração e alguma inveja...

Inveja da liberdade de escolha.
Se eu agora decidisse desistir, não era a mesma coisa. Seria a morte prematura contra si própria, um acto tresloucado de quem quer fingir que tinha escolha.

Inveja do fim da dor.
Quem desistiu, necessariamente sofria. Eu também estou a sofrer. Eles agora já não mas eu continuo a acordar de noite com o coração a tentar sair pela boca...

Inveja da coragem.
Eles conseguiram dizer que estavam fartos, que desta vida, assim, não queriam mais, obrigado. E nós aqui, os fracotes, a pedinchar por mais um bocadinho... vá lá, pelo menos até ao Natal...
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Se o Robin Williams e a Dóris - que hoje desistiram - tivessem vindo propor-me a troca, eu não aceitaria. Mandava-os ter juízo e muito cuidadinho com a alimentação e o exercício físico.
É que um cancro, ninguém merece.





domingo, 10 de agosto de 2014

Perfume doce


Mergulhei no centro do meu universo e ele respondeu-me com a sua energia, plena de vitalidade. Um ritual (quase) secreto que se repete ano após a ano. Voltei a pedir que, para o ano, me acolhesse novamente nas suas águas. E, por momentos, acreditei...

Como não fui brindada com o dom da fé fácil, que tanta falta me faz, tenho de ir à volta. Por vezes chego lá bem pertinho.

De vez em quando, só de vez em quando, sinto um cheirinho de ânimo. Passou ontem por mim, ainda hoje lhe sinto o perfume doce...
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sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Coragem ou talvez não

Sobre a coragem.
Penso muito nisso.
Na realidade, precisamos muito mais de coragem para viver, do que para morrer... Coragem é enfrentar a vida de cabeça erguida, ter filhos e criá-los com educação e comida na mesa, manter empregos difíceis e trabalhar a mando para pagar contas, tratar de pais e avós velhinhos... e encaixar a dor de perder quem amamos.

Quando se fica muito doente já não se precisa da coragem para nada. Tudo é uma inevitabilidade. A vida corre ao lado, e fica-se a vê-la passar, já não participamos. Andamos a toque de caixa, a reboque da batalha. Aquilo que antes fazíamos por coragem passamos a fazer por medo, por necessidade. Instinto de sobrevivência, puro e duro, é o que é.

Sempre fui medrosa, nunca arrisquei muito para lá do valor seguro. Por medos vários, acabei muitas vezes menos feliz do que deveria ter sido.  Não posso agora, com honestidade, aceitar elogios que nunca me assentaram.

Perante adversidades destas, somos todos iguais.  Mesmo os que pensam que não aguentariam tão grande provação, cedo iriam aprender que não há outro remédio e que o que tem de ser tem mesmo muita força. Não sabemos, mas nascemos equipados para isto.
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quinta-feira, 7 de agosto de 2014

Batalhas perdidas


Corro atrás de um verão que se me escapa. Corre veloz, não o agarro. Violento no seu empenho em me fugir, vence-me nessa corrida desigual. É mais uma batalha que não ganho.

Não sou uma vencedora. Não sou corajosa. Não sou optimista nem uma valente guerreira. Sou, nesta altura, uma condenada à morte; sou, até hoje, uma simples sobrevivente. 

Os últimos seis anos têm sido muito duros, e há já dias em que prevejo o alívio da partida, o fim da dor. Da minha dor. Mas sei o que me prende à vida e conheço de cor a missão a que me obriguei: lutar até ao ponto final. 

Assim farei, por dever, por amor a quem me ama. Mais do que sofrer com as dores físicas e emocionais da luta contra um cancro avançado, a maior das torturas é fazer sofrer quem queremos ver feliz: outra batalha que há muito perdi.
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PS: E não, não vou falar sobre nada disto.