domingo, 23 de novembro de 2014

Pra esquecer

Mudei de ideias: quando um dia eu morrer, quero que me esqueçam. Quero que as pessoas que amo voltem a respirar  alegria e a saúde, que deitem o cancro pela janela. Que me deitem pela janela a mim também, eu o meu nojento e abjecto cancro.
Quero voltar a ser a menina da avó Elisa, a que dormia debaixo do balcão da loja; a jovem que jogou basquete, onde fez amizades que ainda duram; a colega do Maciel que tinha um cabelo bonito e brilhante; a namorada do Júnior; a mãe da Joaninha... Boas recordações, sem doenças, sem médicos e hospitais, sem perucas e dores, sem o fim que ainda está para vir e que não deve ser bonito de se ver.

Por favor, esqueçam-me, esqueçam a Teresa doente, a que fez chorar uma criança de 5 anos ao aparecer em casa careca, a que teve de dizer à menina de 8 anos que tinha tirado uma mama, a que disse à mesma jovem de 11 anos que estava pior e que já havia pouca esperança para a vida das duas juntas. A que não tem feito mais do que arrastar a filha, a família e os amigos para um mundo medonho onde as pessoas sofrem e morrem, onde eles, sem estarem doentes, são também testemunhas e vítimas.

A vida continua. A vossa vida continua!!

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segunda-feira, 10 de novembro de 2014

Lições perdidas

Esqueci-me do que é uma vida normal. Não me lembro de como seja acordar sem a espada sobre a cabeça, com um salto, como se ela fosse, finalmente, trespassar-me. Todos os dias. O medo ocupa todos os lugares e não se deixa esquecer por um só minuto.

Gostava de me lembrar de como é uma vida normal, uma vida sem cancro. Do que recordo, não era tão boa quanto deveria ter sido. Que desperdício. Afinal, uma vida sem cancro é uma vida perfeita. É a que todos têm: vidas perfeitas. Todas menos a minha, e a de outras pessoas que ouviram a mesma sentença.

Só tenho pena, e muita, que as pessoas não saibam disso e que os exemplos de uns não sirvam para outros. Valeria a pena todo este sofrimento se, pelo menos, os que me rodeiam se deixassem de falsos problemas, aborrecimentos e chatices verdadeiramente desnecessários ou, no máximo, solúveis. Um problema com solução é um problema maravilhoso! 

Esta mensagem seria, entre tudo, a melhor das heranças que gostaria de deixar aos meus amigos, à minha família. Bastava um de vós mudar "de agulha" para não ter sido em vão...

E por incrível que pareça, o mais certo é isso nunca acontecer... As lições dos outros não são nossas. Não posso dizer que o cancro não me mudou. Possivelmente para melhor, sim. Porque é como as coisas funcionam: só valorizamos o que perdemos.

E eu perdi tudo, tanto que já nem lembro exactamente o quê...

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sexta-feira, 7 de novembro de 2014

terça-feira, 4 de novembro de 2014

Pedinchar

Anda a vida tão difícil que, por vezes, chego a duvidar da minha vontade de lutar. O que eu queria mesmo era pedir. Pedinchar se caso fosse. O que era bom era isso, que alguém fizesse alguma coisa para me salvar.

Se pudessem votar em mim para não ser expulsa - como num reality show - dir-vos-ia que quero ficar, que ainda tenho muito para dar e que os portugueses não se irão arrepender de me salvar. Pelo menos os portugueses da minha família, os portugueses meus amigos, os portugueses do meu prédio e mais alguns outros espalhados por aí que calha simpatizarem comigo.

Alguém pode fazer alguma coisa ou tenho mesmo de continuar à mercê de aziagos ventos e marés?

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